quarta-feira, 7 de maio de 2014

Discussão do caso "O Homem dos Lobos"


CASO CLÍNICO: História de uma neurose infantil. “Homem dos Lobos”

Capítulo IV – O sonho e a cena primária (FREUD, 1918).

Caroline Moreira de Oliveira
O presente texto contempla o conteúdo do capítulo O sonho e a cena primária, do texto de 1918 de Freud: História de uma neurose infantil, utilizando-se de fragmentos que correspondem às interpretações freudianas, articulando ao conceito lacaniano de fantasma.
De acordo com Freud (1976), o sonho possibilitou a ativação da cena primária, levando o paciente de volta à organização genital.
Quando criança, Serguéi Pankejeff tinha medo da figura de um animal ereto conhecido apenas em histórias de contos. Mais tarde o livro foi identificado pelo próprio analisante como sendo: O lobo e os sete cabritinhos.
Em análise, o jovem analisante relata a recordação de seu primeiro sonho de ansiedade, descreve seu medo ao avistar uma árvore em cujos galhos havia lobos brancos com orelhas empinadas e caldas de raposas. Os lobos o fitavam, quietos e imóveis em frente à janela.
De acordo com Dunker (1996), no sonho havia lobos nos galhos da nogueira, sendo que um deles “olhava fixamente para o paciente que acorda sob efeito de angústia” (p.161).



Em posteriores associações, o jovem diria que esta árvore era na realidade uma árvore de Natal. Uma vez que a data do seu aniversário e do Natal coincidiam, pode precisar a idade de quatro anos quando teria tido este sonho. Por ser uma data de comemoração dupla, esperava receber presentes dobrados. Em seu sonho, os presentes foram substituídos por lobos, e o sentimento predominante era o medo de ser devorado pelo lobo, que segundo Freud, representava a figura paterna.
Freud (1976), afirma: “o lobo do qual tinha medo era, sem dúvida, seu pai; mas o medo do lobo era condicionado pelo fato de a criatura estar numa posição ereta” (p.52).
Quando o analista questiona a respeito de como os lobos teriam subido nas árvores, o jovem associa a uma história contada pelo avô, que faz alusão ao complexo de castração.

A história dizia assim: um alfaiate estava sentado trabalhando em seu quarto, quando a janela se abriu e um lobo pulou para dentro. O alfaiate perseguiu-o com seu bastão – não (corrigiu-se), apanhou-o pela cauda e arrancou-a fora, de modo que o lobo fugiu correndo, aterrorizado. Algum tempo mais tarde, o alfaiate foi até a floresta subitamente viu uma alcatéia de lobos vindo em sua direção; então trepou numa árvore para fugir-lhes. A princípio, os lobos ficaram perplexos; mas o aleijado, que se achava entre eles e queria vingar-se do alfaiate, propôs que trepassem uns sobre os outros, até que o último pudesse apanhá-lo. Ele próprio – tratava-se de um animal velho e vigoroso – ficaria na base da pirâmide. Os lobos fizeram como ele sugerira, mas o alfaiate reconhecera o visitante a que havia castigado e de repente gritou, como fizera antes: “Apanhem o cinzendo pela calda!” O lobo sem rabo, aterrorizado pela recordação, correu, e todos os outros desmoronaram (FREUD, 1976, p.42-23).

Freud (1976), aponta para o desconhecimento da cena e a deformação do material presente no sonho, tanto no que tange o medo da morte quanto o tema da castração.
O autor chama a atenção para o período em que o sonho foi sonhado, provavelmente aos quatro anos, período onde a criança começa a investigar questões referentes à sua origem e em um segundo momento, quanto à diferença sexual anatômica.
O sonho da cena primária possibilitou que o analisante atingisse uma nova fase de organização sexual. “Descobriu a vagina e o significado biológico do masculino e feminino. Compreendia agora que ativo era o mesmo que masculino, ao passo que passivo era o mesmo que feminino” (FREUD, 1976, p.57).
Freud (1976), aponta para a memória inconsciente do sonhador, que teria visto a cópula dos pais na idade de um ano e meio. Esta relação sexual teria ocorrido em circunstâncias não inteiramente habituais: a mulher curvada como um animal e o homem ereto.
Ao relatar tal lembrança da cena primária, inicialmente conferiu ao evento como sendo um ato de violência, contudo, a expressão da mãe de prazer desmentiu a impressão inicial, sendo retificada pelo reconhecimento de uma experiência prazerosa.
Tal lembrança remete a figura do lobo ereto, que sua irmã mostrava a ilustração da história: O lobo e os sete cabritinhos, figura que o amedrontava, possivelmente por remeter a memória inconsciente de seu pai ereto realizando a relação sexual a tergo com sua mãe.
O autor descreve a seqüência dos fatos por meio de reconstruções e fragmentos que se dá inicialmente por meio de uma vivência real, a observação do coito dos pais em uma posição de passividade ao observar a atividade dos pais, quando ele tinha a idade aproximada de um ano e meio.
E as conseqüências desta primeira impressão quando a criança consegue dar um significado ao que viu, na idade em que teve o sonho, aproximadamente quatro anos.
A partir disso, aparece o medo da castração, os problemas com a sexualidade e as fobias que tem a função de evitar o medo de algo terrível, o “receio” de ser devorado pelo pai. Como conseqüência, o medo do pai se transformou em fobia de lobos.

Sua ansiedade era um repúdio do desejo de obter do pai satisfação sexual – tendência à qual se deve a formação do sonho na sua cabeça. A forma assumida pela ansiedade, o medo de ‘ser devorado pelo lobo’, era apenas a transposição (como saberemos, regressiva) do desejo de copular com o pai, isto é, de obter satisfação sexual do mesmo modo que sua mãe (FREUD, 1976, p.56).

O analista aponta para a identificação do analisante com a mãe castrada e a dificuldade de se posicionar enquanto homem fálico na vida adulta.
Freud (1976), assinala que para uma apreciação mais adequada da fobia de lobos, deve-se reconhecer que tanto o pai quanto a mãe transformaram-se em lobos, muito embora a mãe ocupasse o lugar de lobo castrado e o pai de lobo fálico, o animal que subia e que portanto, posicionava-se de forma ereta, a posição ativa era o elemento causa de medo do analisante.
Enquanto criança vivenciava situações de uma posição de passividade, com propósitos masoquistas de ser castigado ou espancado. Ora desejava que seu pênis fosse tocado pela babá ora tentava provocar o pai até que o batesse.

Seu objetivo sexual passivo, deve ter sido, então, transformado em feminino, expressando-se como ‘ser copulado pelo pai’, em vez de ‘ser por ele espancado nos genitais ou no traseiro’. Esse objetivo feminino, no entanto, sujeitou-se à repressão e foi obrigado a deixar-se substituir pelo medo do lobo” (FREUD, 1976, p.57).

Para Dunker (1996), “o paciente se inclui na cena retendo a posição imediatamente anterior à construção da castração, isto é, a satisfação anal” (p.161).
Freud (1976), assinala que houve um efeito patogênico da cena primária e da alteração que a sua revivescência produziu no desenvolvimento sexual do paciente” (p.54).
O autor faz menção à vida erótica do jovem após a maturidade, ressaltando a “tendência a ataques compulsivos de paixão física, que surgiam e desapareciam, na mais desconcertante sucessão” (p.52).
Adiciona ainda, a condição atrelada ao seu amor compulsivo na vida adulta e a sua preferência pelo “coito efetuado por trás – more ferarum [a maneira dos animais]” (FREUD, 1976, p.52). Segundo o analista, este tipo postura era a única que lhe rendia algum prazer. Neste caso, a mulher precisava assumir a postura assumida por sua mãe. Possivelmente a sua satisfação sexual se dava pela sua projeção na mulher em uma posição passiva.

DISCUSSÃO DO CASO

Freud toma enquanto analisante o jovem de vinte e poucos anos, Serguéi Pankejeff que descreve seus pensamentos de infância. Em análise ocorreram inúmeras associações relacionadas à fobia e seus sintomas, colaborando para a realização da teoria freudiana a respeito da angústia em torno do complexo da castração e a organização da vida sexual do sujeito envolvendo a cena primária, suas rememorações e possíveis retificações.
Dunker (1996), cita a concepção lacaniana que denota Serguéi Pankejeff tomado em seu fantasma.
“A construção de Freud caminha no sentido de que a cena primária, olhar a relação dos pais (ad tergo), significa a castração como perda do pênis ou por deslocamento, do rabo do lobo” (DUNKER, 1996, p.161).
De acordo com o autor, há um ponto de fixação no caso do Homem dos Lobos (1918), que aponta tanto para a analidade quanto para a pulsão escópica, podendo-se fazer uma distinção da fixação anal do fantasma escópico.
O fantasma pode ser identificado na História de uma neurose infantil (FREUD, 1918), como marcas inconscientes da estrutura psíquica do sujeito.
A infância é o período de formação de fantasma, o qual corresponde a uma frase iniciada pelos pais e construída pelo sujeito. Essa construção envolve a pergunta e a tentativa de resposta a três enigmas que fundam o fantasma do sujeito, questões relativas à existência, a sexualidade e a morte, elaboração que marca a organização genital do sujeito, o corpo pulsional e a forma singular como maneja sua libido.
Seguindo a leitura lacaniana, Dunker (1996), enumera as três dimensões do fantasma: simbólica, imaginária e real. O autor menciona a presença do fantasma como: “lugar de certeza quanto à consistência do Outro e sua demanda; articulador das relações entre prazer, satisfação e gozo; posição de retenção narcísica da identificação ao objeto” (p.164).
Evidencia-se a constituição do fantasma em torno da cena primitiva, demarcando também os posteriores sintomas do analisante e o manejo clínico empregado por Freud para conduzir esta análise.
Freud (1976), menciona as etapas de transformação do material, a cena primária, a história do lobo e o conto O lobo e os sete cabritinhos, como elementos constituintes da formação do sonho.
Assinando ainda o “desejo de obter do pai satisfação sexual – a compreensão de que a castração era uma condição necessária para isso – medo do pai” (p.53).
Concluindo que os sintomas eclodiram como uma formação do inconsciente e o sonho como representante do conflito edípico, pois para o analisante era inconcebível admitir o desejo pulsional erótico direcionado à figura paterna, encontrando na fobia uma tentativa de resolução de conflito psíquico.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. (1918). História de uma neurose infantil. In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol.XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

DUNKER, C. Lacan e a clínica da interpretação. São Paulo: Hackers, 1996.

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