segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Análise do Filme: "Muito Além do Jardim": Uma suceção de falhas na comunicação

O personagem principal, Chance, viveu confinado dentro de uma mansão até o falecimento do proprietário do local onde residia e trabalhava enquanto jardineiro. Seu conhecimento se resumia a este universo restrito e às imagens transmitidas pela televisão.
Chance imitava o quê via, mas não necessariamente compreendia o significado do conteúdo atrelado ao que visualizava.
Quando teve que deixar a mansão, entrou em contato com o mundo externo e, portanto, com a realidade. Sem possibilidade de realizar metáforas, levava recados interpretados ao pé da letra. Como quando levou a mensagem de Raphael ao médico da casa de Bob e Eve.
No que tange a este recado, pode-se observar que os rapazes que Chance conversou eram negros e o médico da casa de Ben também. Assim como aborda uma mulher negra na rua, pedindo seu almoço. Pois recebia todos os dias sua refeição da senhora negra que trabalhava na mansão.
Chance possivelmente interpretou que o comportamento de outras mulheres negras seria similar ao padrão que ele conhecia da funcionária da mansão.
Quanto ao médico da casa, Chance também pode ter feito uma conexão entre as características físicas dos personagens que mandaram um recado a Raphael, para em seguida atribuir que pessoas de cor semelhante devem se conhecer.
Nessas duas situações, Chance só se comportou desta forma (com a mulher negra na rua e com o médico), pois tinha uma vivência específica com a funcionária e por ter tido contato com o grupo de rapazes na rua.
Chance, o emissor da comunicação entregou a mensagem aos receptores errados. Que jamais poderiam compreender do que se tratava, visto que não tinham qualquer tipo de vínculo com o mesmo.
Fato que denuncia a ingenuidade de Chance e sua limitada capacidade de assimilar conteúdos.
Ao se maravilhar com a própria imagem vista na televisão que está com uma câmera ligada na vitrine da loja, acidentalmente, é atropelado pelo motorista de Eve Rand.
Aparentemente por receio de um processo legal, Eve decide levar Chance para receber cuidados médicos em sua casa. Chance aceita de bom grado tudo que lhe é oferecido, parecendo acreditar que as pessoas simplesmente são generosas.
Chance possivelmente aparentava pertencer a uma determinada classe social pela forma respeitosa e amigável como se apresentava ao outro.
Apresentava vestimentas distintas, pois tinha autorização para fazer uso das roupas do falecido dona da mansão. Além disso, apresenta uma fala polida, bem como comportamentos modelados em função da imagem televisiva, mas totalmente desprovidos de afeto.
O personagem convive com pessoas de diferentes níveis sociais e intelectuais, parecendo não despertar desconfiança quanto a sua real identidade.
Apesar de em algumas situações parecer evidente que Chance não compreendia a profundidade do conteúdo tratado pelos outros, as pessoas ao seu redor não se deram conta, presumindo que talvez ele estivesse falando de outro assunto.
Este fato pode ser observado quando Chance relata que nunca andou de carro e o funcionário de Eve imagina que ele estivesse se referindo ao motorista. Assim como no elevador, quando menciona que nunca havia andado em “um desses”, o funcionário interpreta que falava da cadeira de rodas.
Alienado a imagem carente de significados, esta característica do personagem Chance provavelmente possibilitou que os outros atribuíssem à Chauncey e sua fala, exatamente o quê gostariam de ouvir.
Chance cuida do jardim. Já Chauncey não faz muita coisa, além de fazer semblante, ocupando um lugar que é dado a ele de acordo com os interesses de cada personagem.
Eve Rand, com seu esposo Ben adoentado, parece carente e encontra em Chauncey um homem para amar e para se sentir desejada.
Seu esposo, Benjamin Rand, milionário com saúde debilitada, vê em Chauncey um sucessor para cuidar de sua esposa e quem sabe até administrar seus negócios. Que aos seus olhos, parece equilibrado e lhe “ensina” a lidar melhor com a morte.
Parece que Chance foi muito bem recebido tanto por Eve quanto por seu marido Ben, justamente por haver uma lacuna subjetiva para ela enquanto mulher e para ele enquanto homem de negócios e sujeito questionando sua existência no mundo e os caminhos que poderia encontrar para dar um destino aos seus objetos de amor (esposa e negócios) após sua morte.
Na busca de uma complementaridade, Eve vê em Chauncey uma possibilidade de relacionamento amoroso. Enquanto Ben atribui à Chauncey um lugar simétrico, de um homem sábio, com quem pode conversar de igual para igual, inclusive podendo ser um futuro candidato a ser seu substituto.
Ben trata deste assunto abertamente quando pede para que Chauncey e Eve compareçam ao evento social, acrescentando que já podia até ouvir os comentários a respeito de um possível relacionamento entre os dois, parecendo inclusive os encorajar a se envolverem.
Nesta cena, pode-se perceber o significado analógico que dá real dimensão ao conteúdo proposto por Ben à Eve. Ele simplesmente afirma que sabe que ela simpatiza com Chauncey, mas a forma como isso é dito ultrapassa o conteúdo da comunicação digital.
Sobretudo se observarmos o contexto e a pontuação das sequências comunicacionais, Ben só prossegue com sua proposta, por perceber na reação analógica de sua esposa, sua receptividade voltada para o novo hospede.
Ainda no que tange a sutileza da comunicação analógica, observa-se que Chance percebe quando duas pessoas se portam de maneira diferenciada, mas não possui pré-requisitos para compreender que determinados comportamentos reservam-se a relações específicas.
Ben convida seu hospede a participar da conversa com o presidente dos Estados Unidos. Mas antes se prepara para o encontro: usa maquiagem, abre mão da cadeira de rodas e faz questão de deixar o convidado a sua espera.
Neste comportamento programado, podemos perceber que Ben procura comunicar conteúdos a Bobby por meio de sua apresentação pessoal e atraso. Mesmo tendo se preparado antecipadamente para o encontro, fez questão de deixar o outro a sua espera. Fato que é confidenciado à Chance, quando ele diz que deixar o outro esperando é uma forma de demonstrar poder.
Diante da impossibilidade de não se comunicar, a mensagem é dada a partir do comportamento de se atrasar propositalmente ou de caminhar com os próprios pés e aparentar fisicamente (nem que seja por meio da maquiagem) estar melhor do que na realidade está.
Quando Ben apresenta Chance a Bobby, este imita exatamente a forma como Ben e Bobby se cumprimentaram. Ambos são amigos de longa data e já dispõem de intimidade para apertarem mãos de maneira característica.
Assim como na televisão, Chance repete este comportamento ao se apresentar ao presidente de maneira que poderia ser considerada invasiva. Apresenta-se e em seguida aperta suas mãos exatamente como visualizou Ben e Bobby o fazer minutos antes.
Neste aspecto, as informações atreladas ao aperto de mão característico demarcam o tipo de relação que Ben tem com o presidente. Contudo, Chance não tinha condições de discernir que alguns comportamentos se dão com pessoas com as quais se tem vínculo.
Bobby escuta a respeito dos cuidados referentes à jardinagem de Chauncey e os interpreta como uma brilhante metáfora da vida política. Tais conselhos são seguidos e parafraseados pelo próprio presidente.
Ben enfatiza que Chauncey é muito sincero. Estando ao lado de Ben, Bobby logo dá um caráter positivo à suposta autenticidade de Chance.
Pode-se concluir que aparentemente Chance não teve oportunidade de vivenciar vínculos significativos na vida, este fato necessariamente dificulta suas possibilidades de realizar uma leitura coerente da linguagem analógica.
Ao aparecer na mídia Chauncey torna-se uma celebridade. Já Chance, devido às suas limitadas possibilitadas de interpretação, parece acreditar que todos realmente estão fascinados por seus relatos a respeito de jardinagem.
Quando Chance é questionado pela imprensa com a pergunta: "_Que jornais você lê?". Ele responde: “_Eu não leio jornais". A repórter logo anuncia: "_Muitos homens não lêem jornal algum, mas apenas um teve coragem de admitir".
Agentes federais e jornalistas pesquisam seu passado, sem encontrar dados a respeito da identidade de Chauncey Gardner. Presumem que teve seus arquivos apagados pela CIA e FBI, visto que oficialmente ele não existe.
Devido ao interesse de pessoas influentes em Chance, sequer cogitam a possibilidade do personagem ser realmente aquilo que ele diz ser: um jardineiro falando de plantas.
Quando os agentes federais entram em contato com um dos advogados que expulsaram Chance da mansão, este logo presume que Chauncey tivesse ligação com o dono da mansão, “the old man”, como Chance o chamava. Concluindo que aquele homem certamente estaria na casa investigando e que ele teria os enganado muito bem ao se fazer passar por jardineiro.
Sem falar no suspiro dado pela mulher que estava com o advogado no momento em que eles vêem Chauncey na televisão. Parece que este personagem é capaz de trazer a tona emoção e conteúdos dos outros, justamente pela sua aparente lacuna, possibilitando que o outro escute ou veja aquilo que gostaria por meio do personagem Chance.
Conclui-se que a comunicação parece tão falha e Chauncey permanece por tanto tempo e sustenta este lugar que lhe é dado, justamente pela incidência de lapsos na compreensão do comportamento analógico e digital.

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