segunda-feira, 28 de agosto de 2017

SINAL DE ALERTA: Ansiedade em demasia como resposta aos excessos

Vivemos na “era dos excessos”, constantemente escutamos os anseios e as aspirações que remetem a espera ou a tentativas de alcance de sempre mais...
Almeja-se o melhor trabalho, a família perfeita, filhos bem educados e obedientes, o corpo ideal, o conhecimento “completo” a respeito de quase tudo. Não falta nada, sendo justamente isso que falta.
Não faltam itens para esta lista que não cessa de se renovar. É importante que haja espaço para o desejo, possibilitando que o sujeito esteja em movimento. No entanto, preocupa quando esta lista vira uma obrigação a ser cumprida.
Onde está a satisfação se não há um ponto de basta, capaz de fazer função de ancora, permitindo um equilíbrio satisfatório na divisão da economia psíquica?
Vivemos na era do prazer e paradoxalmente há a emergência de sintomas que testemunham e evidenciam que o excesso da suposta busca incessante à satisfação acaba fatalmente ocasionando o desprazer.
Sintomas como: ansiedade, medo, fobias ou a chamada “Síndrome do Pânico”, nome dado pela Psiquiatria para as crises de angústia; aparecem freqüentemente e tem conseqüências na vida do sujeito que sofre, sem muitas vezes poder nomear a causa de seu sofrimento.
Quando os sintomas aparecem como forma de sinalização, normalmente aparece a indagação a respeito das causas deste aparente paradoxo. O sujeito se indaga onde falhou, já que preencheu tanto quanto possível seu tempo e disponibilidade psíquica em prol daquilo que era considerado seu ideal e, portanto, deveria ser sinônimo de felicidade.
Parece um contra-senso o ponto de falha derivar justamente dos excessos que visam eliminar o espaço para a falha e para a falta. Tudo precisa ser previsto e preenchido, a ponto do psiquismo não poder usar os mecanismos de auto-regulação dos quais normalmente dispõe, pois é exigido incessantemente, até que em dado momento dá sinais de fadiga, como alerta de que é preciso rever este modo de operar no limite do excesso.
Surpreendentemente, em meio a tantas atividades e conquistas, o sujeito se vê em meio a crises de ansiedade que evidenciam que algo não vai bem.
A teoria freudiana discorre a respeito da economia psíquica, defendendo a idéia de que o aparelho mental visa sempre o equilíbrio. O Eu prioriza o estado de adaptação, tanto interna, quanto entre o meio ambiente e organismo. Quando o estado de equilíbrio dinâmico é ameaçado, a ansiedade funciona como um sinal de alerta, resultante de um conflito psíquico, que tanto pode ser resultado de um conflito entre o ambiente externo e o organismo, como também um conflito intrapsíquico.
Em Além do Princípio do Prazer (1920), discorre-se sobre as funções do aparelho mental: “sujeitar os impulsos instintuais que com ele se chocam, substituir o processo primário pelo processo secundário, e converter sua energia catéxia livremente móvel numa catéxia principalmente quiescente (tônica). (FREUD, 1977, p.83)
O processo de obtenção de satisfação se dá inicialmente pelo processo primário, que consiste na tentativa de livre descarga de energia tentando alcançar por uma identidade de percepção (processo alucinatório) o objeto de satisfação. Se a pessoa mantém-se na alucinação, mantém-se no princípio do prazer. Já na fantasia, há a realização da satisfação de modo mais simbolizado, pois ocorre através do pensamento.
No processo secundário, mantém-se a mentalização, onde há inibição do escoamento livre de energia. Este processo tem uma função reguladora na descarga de tensão, posto que é necessário fazer desvios, possibilitando um refreamento da satisfação das necessidades. Tanto o processo primário quanto o processo secundário visam a redução de tensão.
O papel da ansiedade no funcionamento da estrutura psíquica corresponde à resposta do Eu a um impulso inconsciente que se fosse exteriorizado poderia expor a pessoa a um perigo real ou suposto.
Freud (1977), descreve o processo de regulação de tensões e a tentativa do organismo em reencontrar o equilíbrio na medida em que assegura a dominância do princípio do prazer. “Enquanto essa transformação se está realizando, nenhuma atenção pode ser concedida ao desenvolvimento do desprazer, mas isso não implica na suspensão do princípio do prazer. Pelo contrário, a transformação ocorre em favor dele; ...” (p.83)
A ansiedade causa sensação de ameaça e medo, o afeto remete a uma dimensão física onde o corpo é afetado e sente. A sensação de ansiedade aparece como um alerta sempre que o Eu sente-se ameaçado, diante da eminência de uma interdição ou perda. Assim, o psiquismo faz uso dos mecanismos de defesa como tentativa de controlar e manter inconsciente o impulso interpretado como perigoso.
Ressalta-se que a ansiedade pode aparecer tanto como um alerta frente a perigos reais, como também pode ser decorrente de um excesso de imaginário, proveniente de uma cobrança interna muito elevada, onde o julgamento moral deriva de um Super-Eu extremamente rígido, podendo ocasionar sofrimento. Vale lembrar que as ansiedades nem sempre estão associadas à ameaças reais ou atuais, podendo ter origem nas primeiras experiências do sujeito.
Sabe-se que os desejos inconscientes podem ser recalcados, mas sempre retornam de outra maneira, normalmente disfarçados.
Quando faltam recursos simbólicos para administrar determinada situação, como resultado pode aparecer o medo de punição diante da constatação do retorno de desejos recalcados, ou ainda: uma ansiedade moral, proveniente de uma auto-cobrança extremamente rígida.
Portanto, o sintoma é o resultado daquilo que foi recalcado. Quando este disfarce pode ser nomeado pelo sujeito, recebe o nome de medo ou ansiedade. Os quais são responsáveis pelo deslocamento da relação do sujeito com o desejo para o sintoma.
Contudo, quando esse sentimento não pode ser nomeado pelo sujeito, diz respeito a angústia, por não ter sido simbolizado. Não há representação de palavras, posto que o sujeito não encontra formas de nomear o objeto faltante.
Salienta-se que não se sabe qual tipo de experiência pode colocar a prova os recursos simbólicos que o sujeito possui. Diante da dificuldade ou impossibilidade de simbolizar um evento, o sintoma ocasiona um avanço do imaginário sobre o simbólico.
Qualquer perda é passível de reatualizar a primeira perda do sujeito, chamada de a angústia de castração. Como não há uma representação para a perda no inconsciente, aparecem os mecanismos de defesa como forma de lidar com este conteúdo.
As reações emocionais são variadas, desde palpitações, falta de ar, fobias, inquietação, transtornos do sono e alimentares, isolamento, dentro outros.
Cada reação articula-se diretamente com a cadeia associativa do sujeito, sintoma que retorna de maneira disfarçada, pelo conteúdo real gerar tamanho sofrimento, que o organismo aciona os mecanismos de defesa como forma de tentativa de reestabelecer o equilíbrio.
Os constructos freudianos apontam o caráter acentuado de desprazer presente na ansiedade. Considerando que o sujeito evita o desprazer e busca a prazer como mecanismo interno de auto-regulação. Sempre que o Eu tem a sensação de ameaça ou medo, procura encontrar meios de amenizar a sensação de desprazer.
Como a ansiedade gera uma quantidade significativa de tensão, o Eu aciona os mecanismos de defesa que consistem na distorção da realidade ou negação inconsciente, sistema que visa proteção do Eu à medida que busca a redução de tensão.
Assim, o psiquismo encontra uma maneira de recalcar o conteúdo conflitante no inconsciente. O problema é que este material recalcado não se contenta com esta condição e continua dando sinais de sua existência, retornando de maneira disfarçada e de forma singular para cada sujeito.
Algumas pessoas costumam dizer que quando se sentem ansiosas sentem muita vontade de comer. Logo, o excesso de peso muitas vezes é atribuído à ansiedade do sujeito. Mas isso não é uma regra, alguns realmente recorrem ao alimento como forma de buscar o prazer e desviar o pensamento do conteúdo conflitante. Mas também há aqueles que não conseguem comer; ou ainda: dormem em demasia ou perdem o sono, dentre outras manifestações.
Contudo, vale ressaltar que um dos mecanismos de defesa do organismo é recorrer a uma ação regressiva, que remeta à segurança de um período prazeroso da vida ou menos frustrante. No que tange o estado de regressão e a alimentação, sabe-se que no início da vida uma das sensações de maior satisfação na vida do bebê deriva justamente do aleitamento junto ao acolhimento materno.
Mesmo na infância, depois de já ter passado da fase oral, é muito comum os doces serem introduzidos como forma de gratificação, ganhando mais uma vez status equivalente à satisfação. Assim, na idade adulta, diante de uma situação de conflito, é comum verificarmos essa busca de recompensa e satisfação na tentativa de reestabelecimento de equilíbrio psíquico pela via da alimentação.
No entanto, essa tentativa acaba sendo frustrada, pois não resolve o conflito, apenas suprime momentaneamente. Esse mecanismo de regressão e satisfação pela via oral se retroalimenta por meio da compulsão à repetição, podendo desviar a relação do sujeito com o desejo, uma vez que está preso à cadeia repetitiva que leva para o mesmo lugar.
Quando a pessoa faz uso deste mecanismo de defesa regressivo frente à situações de ansiedade e existe uma pré-disposição para o ganho de peso, ocorre um ciclo vicioso que se retroalimenta, posto que o sujeito se frustra ao se dar conta do sobrepeso e mais uma vez recorre aos excessos na alimentação como forma de compensação, o quê acaba contribuindo para que essa dificuldade se instaure.
Se o sujeito não pode entrar em contato com o conteúdo conflitante reprimido, as tentativas conscientes de controle de peso nem sempre são bem sucedidas, o quê mais uma vez leva à frustração.
O conflito é psíquico, mas o organismo responde à essa forma de operar no limite, muitas vezes deixando de funcionar adequadamente. Sabe-se que em alguns casos, embora a pessoa tenha hábitos de vida saudável, faça exercícios regularmente, pode ainda apresentar redução no metabolismo, aumento de colesterol, dentre outras desfunções que deflagram e evidenciam as consequências das dificuldades de ordem emocional.
Em decorrência disso, aparecem queixas provenientes dos efeitos do sintoma, que visam justamente velar o objeto suprimido pela consciência. O sujeito busca o mesmo mecanismo de recompensa, que inevitavelmente repercute nos mesmos efeitos, dos quais o sujeito reclama, mas muitas vezes não consegue sair sozinho deste funcionamento que insiste em se repetir.
É importante ressaltar que existem espaços de escuta que possibilitam que o sujeito possa entrar em contato com o conteúdo que seus sintomas vêm para enunciar, como a Psicanálise e a Análise Corporal da Relação.
A Psicanálise é uma técnica que viabiliza a elaboração e ressignificação de conteúdos por meio da palavra. Na medida em que o sujeito pode entrar em contato com o real conteúdo que antes gerava ansiedade, pode encontrar outras formas de dar significado ao mesmo, possibilitando a percepção e questionamento de condutas.
Como a Psicanálise está na intersecção entre os eixos: real, simbólico e imaginário, no decorrer do processo analítico é possível encontrar formas de modificar a subjetividade que contempla muitos excessos. Daí a importância de poder entrar em contato com o vazio ou com a falta estruturante, para que o sujeito possa modificar sua relação com o desejo. É necessário que a falta seja inscrita, pois há uma organização em torno da mesma. A relação do sujeito com seus objetos se da justamente em torno da falta, que por sua vez permite que o querer se articule com o movimento do desejo.
Paulatinamente os sintomas perdem sua eficácia, na medida em que o sujeito aumenta sua relação com a possibilidade de entrar em contato com o vazio, para então poder desejar.
A Análise Corporal da Relação é uma abordagem que se utiliza da comunicação não verbal. Por meio da relação autêntica, esta ferramenta oferece um tempo e um espaço para viver o encontro com as emoções, redimensionando-as para ações passiveis de resgatar o desejo, viabilizando o equilíbrio para uma vida mais harmônica.
Seja por meio da palavra, no setting da Psicanálise ou através da comunicação infraverbal, na Análise Corporal da Relação, é importante que o sujeito possa se dar conta das condensações que realizou por meio do sintoma como forma de se fazer ouvir. Localizando sua parcela de subjetividade no mal estar produzido em determinado contexto, poderá abrir mão da compulsão à repetição para reencontrar o movimento desejante.
Se desvenciliando dos excessos que vem para tamponar uma falta que não deve ser velada, mas reconhecida e aceita, a subjetividade pode encontrar lugar para o vazio, assim como um espaço para o movimento desejante e uma forma de viver com mais liberdade: na “justa medida”, medida esta, que é única para cada um.


Referências:
FREUD, S. (1920). Além do princípio do prazer. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Obras Completas de Sigmund Freud, vol.XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.