segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Sobre a resistência

Desde que comecei a participar das vivências em psicomotricidade relacional, sentia que muitos conteúdos eram acessados, tão intensamente quanto acontece quando estamos em análise, de forma até difícil de colocar em palavras.
Pela quantidade de posts no blog sobre psicomotridicade relacional, não preciso nem dizer que estou realmente apaixonada por este método.
Assim como eu, muitos de meus colegas da turma de pós-graduação.
Durante as sessões de formação pessoal, faz-se o uso da comunicação infraverbal, ou seja, nos abstemos da palavra, abrindo espaço para a linguagem tônica, quando procuramos nos fazer entender por meio de um diálogo essencialmente corporal.
Contudo, quando volta-se a dar espaço para a palavra, a fala histérica aparece, gerando até certo desconforto, sobretudo quando algumas pessoas fazem das vivências, uma verdadeira sessão de análise própria.
A fala histriônica esta diretamente ligada a estruturação da pessoa, sobretudo aquela de constituição psíquica aos moldes da neurose histérica.
Nesse sentido, falar de si desenfreadamente funciona muito bem como forma de recalque, não necessariamente se implicando com o quê foi mobilizado.
Falando sem cessar, a bela histérica inclusive encobre conteúdos inconscientes significativos, ou seja: resiste e recalca aquilo que insistentemente tentou emergir.
O conteúdo inconsciente fica represado a medida que a pessoa traz em excesso conteúdos da vida pessoal, família ou trabalho. Contextos que até se articulam com o momento, mas APENAS para a pessoa.
Apesar do coordenador pontuar muito bem: "_Mas e AQUI, o quê você sentiu?"
(Sempre procurando dar ênfase ao momento.)
Certamente por estar advertido que muito dos conteúdos relatados fora do contexto da vivência, normalmente estão justamente a favor da resistência.
Como era de se esperar, nem sempre existe a possibilidade de atingir esta expectativa, que parece tão simples.
E aí o raciocínio lógico se impõe, confundindo aquilo que poderia ser elaborado.
Podemos até reconhecer que a produção intelectual como uma delas. Para os obsessivos de carteirinha. Muito prazer.
Portanto, não se trata de fazer julgamentos. Isso seria um equívoco.
Neste contexto pretende-se compreender como poderíamos possibilitar que essa resistência não impedisse a própria pessoa que sustenta uma fala verborréica a serviço do atrapalho próprio e como consequência atrapalho coletivo.
Não ao acaso, normalmente são as mesmas que falam, se repetem, até sem deixar espaço para contribuição de outras pessoas.
O texto "Escutatória" de Rubem Alves, foi postado neste blog até como uma forma de procurar "falar" sobre esse assunto de forma indireta.
Encaminhei a todos os integrantes da turma e mencionei quão importante seria aprender ou refletir sobre a possibilidade de falar, mas deixar falar, ou seja, saber ouvir.
Funcionou? Claro que não!
Recordo-me de uma fala do cantor Oswaldo Montenegro, que compos a música "O chato" inspirado em um amigo. Tamanha foi sua surpresa ao ouvir deste amigo que esta era A SUA favorita.
O amigo do cantor estava correto, era dele mesmo. Chamamos isso de identificação. Quando temos um sintoma, o reconhecemos muito bem no outro, ou mesmo na produção artística.
Mas daí a se implicar de verdade, é outra história.
Análise de sintomas a parte... Tomei a iniciativa de escrever, provavelmente por estar incomodada com a fala fora do contexto de maneira excessiva (de uma minoria), mas sobretudo por perceber o seguinte:
A desistência de algumas pessoas do curso de especialização coincidiu com a exposição excessiva em um momento precoce.
Ao observar este aspecto, recordei de uma das primeiras supervisões em introdução à clínica psicanalítica, que tratava justamente de preservar a pessoa dela mesma.
Pois muitas vezes estabelece-se uma transferência que leva a pessoa a falar... falar... e finalmente acaba por fugir da pessoa (ou grupo) para o qual falou.
Justamente para nunca mais ter que se encontrar com aquilo que foi dito.
Nesse sentido, é relevante saber quando se DEVE interromper.
O corte deve visar o impedimento da pessoa falar em demasia a respeito de si mesma em um momento precoce, quando o vínculo ainda não está bem estabelecido.
Emprestando esse preceito da linha psicanalítica, a psicomotricidade relacional poderia vir a se beneficiar da interdição, não correspondendo a demanda da pessoa em colocar o grupo na condição de seu ouvinte a serviço do recalque.
Chego a esta conclusão por presumir que um dos motivos que tenha levado alguns colegas a interromper essa formação se deva justamente para não se encontrar com aquilo que tinham exposto, em um momento de maior fragilidade, quando o conteúdo inconsciente saiu da repressão.
O problema é que a pessoa fala para o grupo para poder se escutar, no momento em que isso acontece, ela se expõe. Podemos fazer uma metáfora com a sensação de colocar uma lanterna iluminando invazivamente aquilo que era cuidadosamente encoberto.
Sabemos o quanto os mecanismos de defesa trabalham arduamente para fazer valer o mínimo de desgaste energético possível, nem que seja às custas de manter aquilo que dói bem guardado, ou seja, recalcado.
Divido essas percepções em um momento bastante precoce de minha formação em psicomotricidade relacional: enquanto aluna do curso de especialização.
É nesta condição que concluo que talvez seja uma estratégia interessante deixar que estas pessoas até falem algo fora do contexto do momento, relacionando à sua vida pessoal. Contudo apenas após algumas "sessões" ou "vivências". E com a ressalva de fazer valer o interdito sempre que necessário. Para o bem da própria pessoa e consequentemente do grupo.
Em última instância, pode até ser que para evitar o encontro com o conteúdo exposto ao grupo, ocorra a desistência de um projeto, no caso da especialização.
Partindo do princípio que desistir da pós-graduação pode ser justamente uma manobra para evitar encontrar-se com o que foi relatado.
Verifica-se nesse aspecto a incidência da RESISTÊNCIA. Resistimos o tempo todo, sem cessar.
Portanto, barrar a pessoa, sobretudo nas primeiras vivências, seria um manejo interessante na medida que possibilita que o vínculo se estabeleça, se consolide junto ao grupo.
Apenas neste momento, quem sabe depois de algum tempo de formação e parceria, até seja permitido o relato com maiores detalhes da intimidade da pessoa.
Vale lembrar que essa é a contribuição de uma discente em formação.
Minha pretensão neste texto é apenas articular minhas percepções do setting da psicomotricidade relacional à minha experiência profissional em psicanálise.

Nenhum comentário: